Hoje trazemos ao blogue um texto de Nuno Andrade Ferreira, jornalista e também ele emigrante. Queremos partilhar com os nossos leitores algo que sentimos, como emigrantes, diáriamente e que o Nuno tão bem espelha no texto abaixo. Esta sensação de pertencermos a todos os lados e não pertencermos a lado nenhum...
"Quando me pagavam casa
e alimentação e me davam transporte e viagens a Portugal de três
em três meses, era expatriado. A partir do dia em que decidi trocar
Angola por Cabo Verde (um dia hei-de escrever sobre isto) e um
ordenado razoável por um orçamento apertado, tornei-me emigrante.
Saí de Portugal em
2008, por vontade própria, quando a crise estava apenas no início e
ninguém imaginava – tirando o Medina Carreira, vá – que viesse
a ser “isto tudo” em que se tornou.
Deixar o país implica
duas coisas: primeiro, estar disposto a recomeçar; segundo, saber
abdicar. Se a viagem tem como destino um país africano, então
abdicar significa deixar de lado, em versão simplista: luz eléctrica
24 horas por dia (ou pelo menos aprender a lidar com cortes
frequentes), água potável na torneira (dependendo das zonas, água
de todo), supermercados com dez marcas diferentes para cada produto e
Internet rápida.
Nestes cinco anos, já
vi de tudo: betinhos de cabelo impecável que confundem Luanda com
Londres, drama queens que choram do primeiro ao último dia com
saudades de casa (e do shopping), novos hippies que se põem tão à
vontade que acabam com uma hepatite ao fim de três semanas e trolhas
que deixam as mulheres em Portugal e arranjam uma amante – ou
várias – que os levam até onde não julgavam ser possível.
Todos os outros são
aqueles que se envolvem, participam e tentam fazer parte. Tenho visto
muita presunção, mas vou conhecendo, também – e felizmente –
muita gente cheia de vontade de dar a volta por cima. Assumem o risco
e, mesmo quando as coisas correm mal e a estadia acaba por ser mais
curta do que o previsto, guardam da experiência o que esta teve de
melhor.
Certo dia, a propósito
de um episódio de má memória, escrevi qualquer coisa parecida com
isto: “nunca serei de cá e não voltarei a ser de lá”. E é
este o principal dilema de um tipo como eu.
Em Portugal, olham para
mim como o tipo que vive lá fora e não faz a mínima ideia “do
que passamos aqui” (além de acharem que estou rico e que passo o
dia na praia). Onde vivo, sou um estrangeiro “na terra de gente”
e, por melhor integrado que esteja e menos preconceituoso que seja, o
argumento “vai para a tua terra” é sempre o último recurso numa
discussão.
Emigrar tem tudo a ver
com reaprender a viver. Emigrar para África ainda mais. A quem
chega, não se pede que desista de ser quem é, mas espera-se, pelo
menos, que aceite os outros como são."