De volta ao Reino Unido viemos conhecer um pouco da experiência da Leonor Silva de Mattos, 34 anos, casada e com uma filha linda de 2 anos. A Leonor emigrou em 2004 para o Reino Unido e por aqui foi ficando.
O que te motivou a
emigrar?
Eu vim para o Reino
Unido com o intuito de estudar. Em Portugal ainda cheguei a entrar na
Universidade de Lisboa, mas achei o meu curso pouco flexível, os
académicos extremamente inacessíveis e o sistema educacional
antiquado. Acabei por desistir a meio do curso e decidi ir trabalhar,
mas o bichinho de tirar um curso superior nunca desapareceu. Quando
a oportunidade de estudar em Inglaterra surgiu, atirei-me de cabeça.
Porquê a escolha do Reino Unido?
Desde miúda que sempre
tive um fascínio pelo Reino Unido, e principalmente pela Inglaterra.
Sempre fui boa aluna em Inglês, dominava bem a língua, conhecia a
cultura minimamente e portanto sabia que a adaptação não seria
muito dificil. Tudo isto mais a vantagem de estar a menos de 3 horas
da família ajudou e muito na decisão.
Como foi o teu
princípio?
Começar num país novo
tem os seus desafios. Eu vim para estudar e deixei para trás uma
carreira promissora no aeroporto de Lisboa (que eu gostava muito), a
minha família (da qual eu nunca me tinha afastado antes), amigos e
animais de estimação. Para mim isso foi provavelmente o mais
difícil.
Depois tinha também
outras preocupações. Quando cheguei ao país tinha pouco mais de
£300 no bolso e o meu alojamento na universidade só estava pago até
Dezembro. Tinha uma bolsa de estudo que me pagava as propinas, mas
mesmo assim sabia que tinha de arranjar emprego e rápido! Ao fim de
um mês à procura, lá consegui arranjar um emprego a part-time, na
altura a vender malas e carteiras e a ganhar cerca de £4.60 à hora.
Entre ir à universidade e o trabalho, sobrava-me mesmo muito pouco
tempo para conhecer a cidade onde eu estáva, quanto mais o país...
Na universidade as
coisas também não foram fáceis de início. O sistema educacional
daqui é muito diferente do português, e demorei um semestre a
tentar perceber exactamente como é que as coisas funcionavam. O
choque de culturas também contribuiu para me sentir um pouco
deslocada e isolada. Não tinha muitos amigos e enquanto a maior
parte dos estudantes esbanjavam dinheiro em alcool, festas e
noitadas, eu tinha que poupar e ir para a cama cedo para ir
trabalhar no dia seguinte. A minha atitude e espírito de sacrifício
contribuiu e muito para que as coisas corressem geralmente bem e sem
grandes sobressaltos, mas não foi sempre fácil.
Qual foi o sentimento
dos primeiros dias / meses?
Tudo era novidade para
mim, e amei cada minuto. Lembro-me muito bem das caminhadas entre
universidade, alojamento e trabalho em dias gelados, do cheiro do meu
quarto, das plantas diferentes que vi, das pessoas a falarem Inglês
constantemente, dos supermercados abertos 24 horas, dos corredores
cheios de estudantes na universidade... Tudo isto são boas
lembranças dos meus primeiros tempos por cá. Depois lembro-me
também de algumas coisas menos boas. Por ser estrangeira, sofri
alguma discriminação no trabalho e na universidade, e isso foi
talvez o único ponto negativo da minha experiencia como emigrante.
Que aspectos positivos/
negativos recordas aquando da mudança?
O que mais me
surpreendeu foi o sistema daqui – há regras para tudo, e as
coisas funcionam! E quando não funcionam, basta escrever uma carta
de reclamação que o assunto é geralmente resolvido em menos de uma
semana. Depois há supermercados abertos 24 horas que vendem coisas
super baratas como conjuntos de talheres e pratos por £5, refeições
de comida congelada para a semana toda por £3, ou shampoos por 50p!
E zonas verdes, muito verdes, esteja sol, chuva ou vento... A
natureza neste país é intensa e extensa.
Os aspectos menos bons
são talvez os preços excessivos dos quartos e das casas, bem como o
número e o valor das contas que se têm de pagar. Os meus primeiros
6 anos foram passados a saltitar de casa em casa, normalmente em
quartos alugados, e as coisas nem sempre corriam bem com as pessoas
com quem eu morava. Outro dos aspectos negativos está relacionado
com discriminação, nomeadamente com o tipo de tratamento que as
pessoas nos dão assim que descobrem que somos estrangeiros. Tem
tendencia a melhorar com o tempo, mas para quem não está habituado
este pode ser um sapo difícil de engolir. O tempo aqui também é
muito cinzento e ao fim de alguns anos a pessoa começa a sentir
falta do sol e do calor.
O que aqui conquistaste
corresponde às expectativas que trazias? Em que sentido?
Sem dúvida! No início
eu nem vim para ficar! A minha ideia era mesmo tirar a minha
licenciatura e voltar para Portugal. Mas as coisas foram caminhando
gradualmente de tal forma que eu acabei por ficar para tirar o
mestrado, e depois fui convidada para gerir uma consultadoria e dar
aulas - com este tipo de propostas e oportunidades seria uma loucura
fazer as malas e ir embora, principalmente porque em Portugal estas
oportunidades não estariam sequer ao meu alcance. Depois conheci o
meu marido, casei e construimos família... E com tudo isso fui
ficando onde estou até hoje, e estou feliz porque faço o que gosto,
sou paga razoavelmente bem, tenho tempo para a minha família e para
continuar a estudar como parte do meu desenvolvimento profissional.
Avalia de 0 a 10 (sendo
10 a nota máxima positiva) a tua experiência de forma geral.
Penso que a minha
experiência em geral se resume a um 8. Nunca será 10 porque há
muitas coisas das quais sinto falta.
Do que mais sentes
falta?
Da minha família, das
comidas, e das praias de areia fina e mar transparente.
De que forma matas a
saudade de Portugal?
Tenho um grupinho de
amigos portugueses que se junta quase todos os fins de semana para
matar saudades. Quando tenho mesmo muitas saudades de Portugal e não
tenho oportunidade de lá dar um pulinho, vejo tv portuguesa online,
ou oiço rádio portuguesa, falo com a família, leio as notícias do
Público e do Jornal de Notícias, ou as notícias locais do Rostos.
Se tiver tempo (o que é raro) até sou capaz de dar um pulo a
Stockwell (onde há imensos restaurantes portugueses) para almoçar.
* Stockwell - localidade na zona sudoeste de Londres onde se encontra uma vasta comunidade portuguesa, e por isso bastante comércio e serviços portugueses (mercearias, clubes, cafés, restaurantes, cabeleireiros, etc)
Achas-te, como
emigrante, responsável pela divulgação da cultura portuguesa?
Quando vem à conversa
sim, mas não imponho as minhas ideias ou conhecimentos de fado, ou
literatura, ou música sem me serem pedidos.
Recordando os primeiros
tempos de emigrante, recordas algum episódio engraçado que queiras
partilhar?
Para quem não está
habituado, ir ao supermercado às 2 da manhã tem das suas coisas
engraçadas. Lembro-me que da primeira vez que fui a um supermercado
a essa hora vi muita gente a fazer compras de pijama. Para mim, isso
foi super engraçado.
Farias tudo de novo ou
o que mudarias?
Sim, sem dúvida. O
balanço desta experiência é positivo.
Pensas voltar a viver
em Portugal?
Nesta altura não está
nos meus planos voltar, mas gostaria de ter uma casinha um dia para
ir passar férias.
Onde e como te vês
daqui a uns 15 ou 20 anos?
Não sei, sinceramente.
Não sou de me acomodar e quando as coisas não me estiverem mais a
fazer feliz, não tenho medo de mudar para melhor, seja aqui ou
noutro país qualquer.
O que recomendarias a
alguém que quisesse emigrar?
Para emigrar é preciso
ter a coragem de dar esse passo, mas também fazê-lo com cabecinha.
É preciso ponderar custos, criar planos A e B, e vir sempre com
espírito de sacrifício, isto é, estar sempre disposto a fazer
qualquer coisa para ganhar algum dinheiro honesto, mesmo que isso
signifique começar por baixo. E depois de se conseguir um ganha-pão,
é só mesmo uma questão de tempo até se conseguir fazer aquilo que
realmente se quer fazer, mas nunca se deve ficar em casa de braços
cruzados à espera que as oportunidades caiam do céu. Aqui, quem vai
à luta é quem consegue as melhores coisas...