quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Em Entrevista

 

De volta ao Reino Unido viemos conhecer um pouco da experiência da Leonor Silva de Mattos, 34 anos, casada e com uma filha linda de 2 anos. A Leonor emigrou em 2004 para o Reino Unido e por aqui foi ficando.


O que te motivou a emigrar?
Eu vim para o Reino Unido com o intuito de estudar. Em Portugal ainda cheguei a entrar na Universidade de Lisboa, mas achei o meu curso pouco flexível, os académicos extremamente inacessíveis e o sistema educacional antiquado. Acabei por desistir a meio do curso e decidi ir trabalhar, mas o bichinho de tirar um curso superior nunca desapareceu. Quando a oportunidade de estudar em Inglaterra surgiu, atirei-me de cabeça.

Porquê a escolha do Reino Unido?
Desde miúda que sempre tive um fascínio pelo Reino Unido, e principalmente pela Inglaterra. Sempre fui boa aluna em Inglês, dominava bem a língua, conhecia a cultura minimamente e portanto sabia que a adaptação não seria muito dificil. Tudo isto mais a vantagem de estar a menos de 3 horas da família ajudou e muito na decisão.

Como foi o teu princípio?
Começar num país novo tem os seus desafios. Eu vim para estudar e deixei para trás uma carreira promissora no aeroporto de Lisboa (que eu gostava muito), a minha família (da qual eu nunca me tinha afastado antes), amigos e animais de estimação. Para mim isso foi provavelmente o mais difícil.

Depois tinha também outras preocupações. Quando cheguei ao país tinha pouco mais de £300 no bolso e o meu alojamento na universidade só estava pago até Dezembro. Tinha uma bolsa de estudo que me pagava as propinas, mas mesmo assim sabia que tinha de arranjar emprego e rápido! Ao fim de um mês à procura, lá consegui arranjar um emprego a part-time, na altura a vender malas e carteiras e a ganhar cerca de £4.60 à hora. Entre ir à universidade e o trabalho, sobrava-me mesmo muito pouco tempo para conhecer a cidade onde eu estáva, quanto mais o país...

Na universidade as coisas também não foram fáceis de início. O sistema educacional daqui é muito diferente do português, e demorei um semestre a tentar perceber exactamente como é que as coisas funcionavam. O choque de culturas também contribuiu para me sentir um pouco deslocada e isolada. Não tinha muitos amigos e enquanto a maior parte dos estudantes esbanjavam dinheiro em alcool, festas e noitadas, eu tinha que poupar e ir para a cama cedo para ir trabalhar no dia seguinte. A minha atitude e espírito de sacrifício contribuiu e muito para que as coisas corressem geralmente bem e sem grandes sobressaltos, mas não foi sempre fácil.

Qual foi o sentimento dos primeiros dias / meses?
Tudo era novidade para mim, e amei cada minuto. Lembro-me muito bem das caminhadas entre universidade, alojamento e trabalho em dias gelados, do cheiro do meu quarto, das plantas diferentes que vi, das pessoas a falarem Inglês constantemente, dos supermercados abertos 24 horas, dos corredores cheios de estudantes na universidade... Tudo isto são boas lembranças dos meus primeiros tempos por cá. Depois lembro-me também de algumas coisas menos boas. Por ser estrangeira, sofri alguma discriminação no trabalho e na universidade, e isso foi talvez o único ponto negativo da minha experiencia como emigrante.

Que aspectos positivos/ negativos recordas aquando da mudança?
O que mais me surpreendeu foi o sistema daqui – há regras para tudo, e as coisas funcionam! E quando não funcionam, basta escrever uma carta de reclamação que o assunto é geralmente resolvido em menos de uma semana. Depois há supermercados abertos 24 horas que vendem coisas super baratas como conjuntos de talheres e pratos por £5, refeições de comida congelada para a semana toda por £3, ou shampoos por 50p! E zonas verdes, muito verdes, esteja sol, chuva ou vento... A natureza neste país é intensa e extensa.
Os aspectos menos bons são talvez os preços excessivos dos quartos e das casas, bem como o número e o valor das contas que se têm de pagar. Os meus primeiros 6 anos foram passados a saltitar de casa em casa, normalmente em quartos alugados, e as coisas nem sempre corriam bem com as pessoas com quem eu morava. Outro dos aspectos negativos está relacionado com discriminação, nomeadamente com o tipo de tratamento que as pessoas nos dão assim que descobrem que somos estrangeiros. Tem tendencia a melhorar com o tempo, mas para quem não está habituado este pode ser um sapo difícil de engolir. O tempo aqui também é muito cinzento e ao fim de alguns anos a pessoa começa a sentir falta do sol e do calor.

O que aqui conquistaste corresponde às expectativas que trazias? Em que sentido?
Sem dúvida! No início eu nem vim para ficar! A minha ideia era mesmo tirar a minha licenciatura e voltar para Portugal. Mas as coisas foram caminhando gradualmente de tal forma que eu acabei por ficar para tirar o mestrado, e depois fui convidada para gerir uma consultadoria e dar aulas - com este tipo de propostas e oportunidades seria uma loucura fazer as malas e ir embora, principalmente porque em Portugal estas oportunidades não estariam sequer ao meu alcance. Depois conheci o meu marido, casei e construimos família... E com tudo isso fui ficando onde estou até hoje, e estou feliz porque faço o que gosto, sou paga razoavelmente bem, tenho tempo para a minha família e para continuar a estudar como parte do meu desenvolvimento profissional.

Avalia de 0 a 10 (sendo 10 a nota máxima positiva) a tua experiência de forma geral.
Penso que a minha experiência em geral se resume a um 8. Nunca será 10 porque há muitas coisas das quais sinto falta.

Do que mais sentes falta?
Da minha família, das comidas, e das praias de areia fina e mar transparente.

De que forma matas a saudade de Portugal?
Tenho um grupinho de amigos portugueses que se junta quase todos os fins de semana para matar saudades. Quando tenho mesmo muitas saudades de Portugal e não tenho oportunidade de lá dar um pulinho, vejo tv portuguesa online, ou oiço rádio portuguesa, falo com a família, leio as notícias do Público e do Jornal de Notícias, ou as notícias locais do Rostos. Se tiver tempo (o que é raro) até sou capaz de dar um pulo a Stockwell (onde há imensos restaurantes portugueses) para almoçar.

* Stockwell - localidade na zona sudoeste de Londres onde se encontra uma vasta comunidade portuguesa, e por isso bastante comércio e serviços portugueses (mercearias, clubes, cafés, restaurantes, cabeleireiros, etc)

Achas-te, como emigrante, responsável pela divulgação da cultura portuguesa?
Quando vem à conversa sim, mas não imponho as minhas ideias ou conhecimentos de fado, ou literatura, ou música sem me serem pedidos.

Recordando os primeiros tempos de emigrante, recordas algum episódio engraçado que queiras partilhar?
Para quem não está habituado, ir ao supermercado às 2 da manhã tem das suas coisas engraçadas. Lembro-me que da primeira vez que fui a um supermercado a essa hora vi muita gente a fazer compras de pijama. Para mim, isso foi super engraçado.

Farias tudo de novo ou o que mudarias?
Sim, sem dúvida. O balanço desta experiência é positivo.

Pensas voltar a viver em Portugal?
Nesta altura não está nos meus planos voltar, mas gostaria de ter uma casinha um dia para ir passar férias.

Onde e como te vês daqui a uns 15 ou 20 anos?
Não sei, sinceramente. Não sou de me acomodar e quando as coisas não me estiverem mais a fazer feliz, não tenho medo de mudar para melhor, seja aqui ou noutro país qualquer.

O que recomendarias a alguém que quisesse emigrar?
Para emigrar é preciso ter a coragem de dar esse passo, mas também fazê-lo com cabecinha. É preciso ponderar custos, criar planos A e B, e vir sempre com espírito de sacrifício, isto é, estar sempre disposto a fazer qualquer coisa para ganhar algum dinheiro honesto, mesmo que isso signifique começar por baixo. E depois de se conseguir um ganha-pão, é só mesmo uma questão de tempo até se conseguir fazer aquilo que realmente se quer fazer, mas nunca se deve ficar em casa de braços cruzados à espera que as oportunidades caiam do céu. Aqui, quem vai à luta é quem consegue as melhores coisas...