sábado, 5 de outubro de 2013

Destino: Alemanha!

Hoje o CPI traz ao blogue mais um texto sobre a, cada vez mais frequente, emigração. Desta vez o destino dos portugueses é Alemanhã. Mais três testemunhos reunidos pelo Público online através da jornalista Maria João Guimarães.  


"São cada vez mais a chegar: portugueses, gregos, espanhóis. O desemprego, os fracos salários e a falta de oportunidades empurraram-nos para o país que se tem mantido forte durante a crise europeia.
Está sempre a chegar gente, comenta Hugo Estrela, um português a viver em Berlim. "É um amigo, um amigo de um amigo, o primo de um amigo..." - portugueses que, fartos da situação em Portugal, vêm para a Alemanha. "E nem é tanto para Berlim - para Frankfurt, Munique, por exemplo." As situações repetem-se: busca de emprego sem encontrar nada, trabalhos mal pagos, falta de possibilidades de progressão, falta de escolha.

A Alemanha está a receber cada vez mais pessoas dos países da crise. Segundo o Instituto Federal de Estatística, a percentagem de portugueses a chegar à Alemanha aumentou 43% entre 2011 e 2012 (mais 4000 pessoas), a percentagem de gregos corresponde aos mesmos 43% (mais 10 mil), a de espanhóis 45% (9 mil), de italianos, 40% (12 mil).

Muitas destas pessoas não queriam sair do seu país. Rita Ferreira já tinha pensado várias vezes nisso, mas "nunca tinha tido coragem". Depois de dois períodos de desemprego, de ter de regressar a casa dos pais (ela é do Algarve, onde tinha trabalhado cinco anos numa agência de comunicação como designer), de tentar tudo e mais alguma coisa e de ver vários amigos sair... "Chegou a altura em que disse: "É a minha vez.""
"Um amigo falou-me de uma vaga na empresa onde trabalhava aqui em Berlim", conta. "Foi tudo muito rápido. Duas entrevistas por telefone e email, e entre ele falar nisso e eu vir para cá, passou-se uma semana." Foi em Maio de 2012, mas a facilidade ainda hoje parece incrível. "A quantidade de currículos que mandei em Portugal e não deu em nada..."
O cargo a que se candidatou na empresa de publicidade online (tem sede em Berlim e escritórios em Londres, EUA, Turquia, e também na Ásia) é de webdesigner. "Que não sou", comenta. Teve formação, ficou à experiência três meses, e agora tem contrato sem termo. Começou a ganhar 2000 euros (brutos) e agora 2500 (cerca de 1600 líquidos). Não tem comparação com o que ganhava em Portugal - mil euros no segundo trabalho e no primeiro "nem isso, cerca de 700".
Em Berlim tem amigos "polacos, italianos, espanhóis, brasileiros, italianos, bielorrussos", enumera. Vai comer a restaurantes de todo o mundo (e ilustra-os no blogue WeAteHipsters). "Aqui não sentimos que estamos na Alemanha", comenta. A língua é, aliás, um problema para Rita, que já começou, desistiu e agora recomeçou a ter aulas de Alemão.
De resto, é a questão de sempre: não há sol. "Este céu cinzento que estás a ver" - e que já começou há umas duas semanas - "vai continuar durante meses."
A cidade tem só mais um defeito. "Sinto-me velha aqui", comenta a rir. "A média de idades na empresa é de 20, 25 anos, incluindo os meus chefes. São novos, mas já têm muito currículo."


Levar troco da troika
Cláudio Vilarinho está "onde está o trabalho". E este tem mudado um pouco nos últimos meses. "Em Maio de 2012 não pensava estar em Londres", e em Setembro lá estava. E quem diria? Agora está sentado numa mesa de um café em Berlim.

Depois de anos em Portugal a trabalhar em arquitectura, com atelier próprio (em sete anos, vários primeiros prémios e outras menções em concursos de arquitectura), começou a ficar farto de, mesmo assim, nunca ter dinheiro suficiente para cobrir as despesas do atelier. "Começa-se a entrar na realidade e a questionar: tenho de procurar um emprego?" Assim, passou um ano a tentar encontrar algo em Portugal: nada. Depois, mandou cerca de 30 currículos para o estrangeiro: Suíça ("Gosto da arquitectura lá"), Londres ("Para melhorar o inglês"), Noruega ("Diz-se que tem qualidade de vida"), Áustria ("Apenas para um atelier porque estava lá um ex-professor").
"Tive sete ou oito respostas - e umas cinco iam em fase adiantada." Passadas duas semanas, decidiu aceitar ir para a capital britânica. Voltas e reviravoltas depois, a Londres chega uma proposta austríaca, e Cláudio decide-se por ela.
Pouco tempo depois, passa para Berlim, para colaborar na mesma empresa - e aqui está ele. Quer dizer, entre lá e cá, porque a cada 15 dias, passa quatro em Portugal. Por várias razões, mas a principal é a família, mulher e duas filhas. "Chego na sexta, pouso a mala e vou buscar as minhas filhas ao jardim-de-infância, e ainda as levo na segunda-feira antes de apanhar o avião", diz. "Mas não é como estar sempre em Portugal."
Vai falando dos projectos em que tem participado - aqui em Berlim, um concurso para uma torre com 48 mil m2, ou um edifício de 17 mil m2 em Munique. Em Portugal, após ter vencido o concurso público de concepção, aguarda o início da construção do Instituto de Ciência e Inovação para a Bio-sustentabilidade, da Universidade do Minho, 3000 m2, que deverá começar em breve.
Cláudio não arrisca dizer onde estará amanhã. Agora, vai ligando cá e lá: sendo português e passando factura portuguesa pelos serviços de arquitectura, isto é, exportando os serviços que vai prestando na Alemanha, recupera "uma parte do dinheiro que estão a ganhar [com Portugal] com os empréstimos da troika de volta para Portugal", comenta, a rir e com um brilhozinho nos olhos.

Hugo Estrela, 30 anos, está em Berlim há quase três. Não saiu por causa da crise, mas tem "quase a certeza de que lá não conseguiria fazer o que [está] a fazer [em Berlim]". "Pelo que me dizem, saí mesmo na altura certa."

Do Erasmus à fotografia
Começou por vir fazer Erasmus de seis meses (estudou Letras na Universidade de Lisboa), na Universidade de Humboldt, e passado duas semanas ligou à coordenadora do Erasmus dizendo que queria prolongar a estadia por um ano. Terminou o curso, fez um estágio remunerado que tinha mais ou menos a ver com Letras ("Diziam que era edição, mas na verdade era pesquisa e tradução para uma start up") e depois decidiu-se por um curso de fotografia, que já fazia há algum tempo mas "por diversão".
Na Alemanha "há possibilidade de estudar fotografia a sério". Decidiu concorrer à Ostkreuzschule e depois das provas, entrevista, etc., foi admitido. No segundo ano de curso, vai tendo já trabalho de fotografia através da escola. "Há sempre alguém que viu, gostou [e encomenda trabalhos], e aqui é bem pago." Juntamente com part times - "Já trabalhei em bares, cafés, recepção de hotel"- tem dado para a despesa. O part time é num hotel onde ganha cerca de oito euros à hora, com dois a três turnos por semana, de quatro a oito horas.
"Um pouco à justa", diz, mas dá para as despesas e para os projectos do curso - o seu projecto final será agora no Norte da Grécia, na fronteira com a Bulgária e a Turquia. Mas quer desfazer a ideia de que "tudo aqui é maravilhoso", diz. "Tenho colegas que passam algumas dificuldades."
Com a escola,e com amigos e namorada aprendeu alemão. "Fui a duas aulas." E o resto aprendeu o "alemão de rua". Para já, pensa ficar na Alemanha, "sem dúvida". Na sua escola, fazem sempre uma exposição de final de curso que atrai atenções, é "uma rampa de lançamento", e depois não será difícil encontrar trabalho.

(...)"

Fonte: http://www.publico.pt/mundo/jornal/portugueses-partem-para-a-alemanha-para-estarem-um-passo-a-frente-a-crise-27125231